A BISA NA
PANDEMIA 2020.
No ano de
2050, a bisavó, às vésperas de completar cem anos, fica caduca e volta ao
passado, aos anos vinte, quando o mundo vivia uma epidemia. Volta a ter os
mesmos hábitos daquela época distante, para surpresa e tristeza de sua bisneta,
que não compreende as cismas da bisavó. Não deixa ninguém entrar no apartamento
sem desinfetar-se, matricula-se em cursos on line, cozinha para semanas e
congela. Pede compras por telefone e se recusa a sair às ruas, para desespero
da bisneta, que pouco sabe dessa época remota, embora use máscara desde que
nasceu, sem jamais ter se questionado sobre isso.
Após a
narração do desespero da bisneta, a bisavó pede a palavra a narra tudo que
viveu nos anos vinte. O confinamento, ser parte de um grupo de risco, o medo de
morrer, de não rever a filha e a neta, de aglomerar-se. Passa desinfetante nos
alimentos, nas frutas, nos pacotes, no chão, enquanto a neta sofre ao ver a
bisavó tão estranha com estranhos hábitos.
A bisavó tem
muita raiva e muito medo do presidente da república, e muita vergonha da
secretária de cultura, e conta tim-tim por tim-tim para a bisneta, que a
escuta, atentamente. Depois da longa narrativa, a bisneta abraça a bisavó e
tenta explicar que tudo ficou no passado, que todos sobreviveram e que ela vai
completar cem anos. E que fique tranquila quanto ao presidente, pois ele já
faleceu há muitos anos atrás. Mas a bisavó está descrente:
- Morreu?
Tudo fake. Amanhã ele ressuscita e desmente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário