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27/09/2019

""Refletores acesos, casa cheia, pessoas riscando lápis e copos, a ansiedade disparada. A noite da estreia do “Recital de Poesia”, coordenado pelos poetas Chico Bornéo e Débora Guimarães, no Bar e Restaurante Botanic. Data: quinze de abril de oitenta e seis.
Silêncio. Sobe ao palco Rita Moutinho (nossa grande amiga, poeta), vestida de negro – curioso, a maioria das mulheres se vestia de preto em suas apresentações – trazendo à tona, em cena, as primeiras palavras poéticas. Entre câmeras de televisão, luzes ofuscantes… um certo pane: “Sinto muito, com televisão não dá!” falou Rita. Mas deu, foi apenas uma reação, afinal ela estava envolvida na emoção coletiva, a expectativa era comum a todos.
Estava aberto o concerto que esses dois corajosos organizadores tiveram a ousadia de elaborar, lidando com a sensibilidade e a alma do poeta. É preciso muita tolerância e estes nossos amigos conseguiram, efetivaram este movimento oscilante, assimilando das ondulações desajustadas um positivismo gerador de energia.
A cada noite um selecionado cardápio, que variava dos trabalhos às personalidades, entre vertentes, ostentações, amadores, consagrados. A essência, o próprio poeta fisicamente ali colocando na voz o seu trabalho literário. Largando máscaras e soltando verbos, gesticulando, engasgando, pulando estrofes tencionadas…. o contato direto com público, o leitor, agora ouvinte.
Na plateia, amigos, poetas familiares, curiosos, os cativos unidos num pulsar comum, a poesia. Tinha certo encantamento na atmosfera: os olhares atentos, as mesas muito perto permitiam um encontro, a aproximação: nada de palco e plateia, a poesia percorria tudo. Entreouvia-se “amanhã te mostro umas coisas que escrevi outro dia…”.  Escutar essa conversa era mágico e encantador, refletia a importância e necessidade do recital: essa sacudidela no poeta calado, tímido, que começa a perceber o sentido das palavras, a sentir intimidade com as mesmas, passando, portanto, a compreender e a ouvir a poesia.
Participaram desse concerto (por ordem de apresentação):
Rita Moutinho; Afonso Henriques Neto; Moacyr Félix; Geraldo Carneiro; Mário Lago Filho; Maria Helena Azevedo; Glória Perez; Débora Guimarães; Suzana Vargas; Carmen Moreno; Carlos Louzada; Marilda Pedroso; Tite de Lemos; Ferreira Gullar; Chico Bornéo (por Rose Verçosa); Ítalo Moriconi; Paulo Henriques de Brito; Leila Mícolis; Jair F. dos Santos; Armando Freitas Filho; Geraldo Alves Pinto; Pedro Lyra; Angela Melim; Artur da Távola (por Wilma Barbirato); Victor Hugo; Glória Horta & Tânia Scher; M. Sonia M. Pinto; Sérgio Sant’Anna (Tao Qual);…. e fora da programação oficial, participaram Renato Brasil, Alex Hamburger e outros.
Bons e raros momentos, uma ilustração rápida.
Tinha um apresentador genial estilo brega, o Manolo, que, nos intervalos entre a apresentação dos poetas, cantava músicas das mais variadas origens, tipo Wanderley Cardoso, e aproveitava também para ler poesias de pessoas que não estavam incluídas no roteiro. (Toda a noite na abertura, feita pela Débora G. eram feitas homenagens a outros poetas: ouviu-se poesias de Graça Coutinho, Cláudia Roquette-Pinto, etc). Mesmo gripado, o Ferreira Gullar deu um espetáculo à parte, superando e alimentando nossa euforia. Em termos de espontaneidade, insuperáveis as Glórias, Perez e Horta, assim como Tânia Scher e a Leila Mícolis. Quanto aos homens, os mais engraçados e que cativaram o público foram, sem dúvida alguma, o Mário Lago Filho e o Geraldo Alves Pinto. A suavidade e a sensualidade da voz de Tite de Lemos e a maravilha da sua fala, quando nos conta “A Tabacaria”, de Fernando Pessoa, foi emocionante. Durante as apresentações, os fatos do cotidiano, que se não nos incomodavam eram esquecidos, outros eram levados à pedra, como, por exemplo, sob a forma de homenagem aos escritores Simone de Beauvior e Jean Genet (o poeta Carlos Louzada fez um poema lindíssimo para ela, publicado no primeiro número do nosso jornal). Notas de protesto condenavam o ataque do Reagan à Línbia e ao Kadhafi. Portanto, conclui-se que a movimentação não era um vício alienado, se dizia o que se pensava e o que se vivia.
Carlitos à parte, e a Débora Guimarães com charme. O feminino, a sensibilidade de Heria Helena Azevedo e Suzana Vargas; o Armando Freitas Filho, quando se fez voz através da gravação de seus poemas, “o recurso do gago é o gravador”; a sensibilidade de Rose Verçosa interpretando a poesia do Chico Bornéo; a estapafúrdia do grupo musical “Tao Qual”, no trabalho de Sérgio Sant’Anna, a própria performance poética. Espetáculo único, melhor seria se pudesse ter se contido no tempo de apresentação previsto. Eram nove músicos, num palco 3 X 4 só de engrenagem, já dá pra calcular… me parece que esta apresentação prejudicou a continuidade da noite, pela dimensão de empatia com o público. Resolver isto é fácil: da próxima vez, que seja o último da noite.
E o Eliezer lá nos olhando e aguentando todas as reclamações. A poesia madura dos poetas Afonso Henriques Neto, Jair F. dos Santos, Moacyr Félix. De fato, havia poesia de verdade.
Débora e Chico, valeu. Vocês fizeram um belo evento andar, ser contínuo e bem resolvido. O ideal para o momento seria a montagem deste recital numa Antologia Poética, fechando o ciclo e prolongando no tempo este projeto".
Maria Sônia Madureira de Pinho
http://www.letras.ufrj.br/olacdigital/?p=1208