Alfredo Sirkis foi assíduo
frequentador do Posto 9 em Ipanema, e vinha sempre pela ciclovia que ele mesmo
idealizou, às vezes com a família, às vezes sozinho, mas sempre com seu jornal,
sua cadeira de praia e suas raquetes de frescobol. Abriu 160 quilômetros de
ciclovia e um dia teve sua bicicleta roubada. Não éramos amigos, mas
conhecidos, ele atencioso comigo, e eu admiradora de seu trabalho e de seu
jeito meio menino, meio bonachão.
Quando eu era bem garota,
meu pai me disse: não se meta com política, a filha de um amigo meu foi se
meter e despareceu. Não entendi direito o aviso, só fui conhecer melhor a
História da ditadura no cursinho de pré-vestibular com os professores
inesquecíveis Iber Reis e Manoel Maurício, como muitos da minha geração, que
não foram politizados em casa.
Foi por meio do Jorge Sá
Martins que conheci o livro do Gabeira “O que é isso, companheiro?”, fiquei
encantada com a trajetória desses jovens guerreiros, tanto que recortei a
contracapa com a foto do autor sorridente com uma galinha debaixo do braço, e
coloquei num porta-retratos na sala do apartamento.
Era um momento de muita
esperança. Uma geração de jovens guerreiros foi praticamente dizimada, a que seria
nossos políticos atuantes e não estaríamos até hoje com essa corja de velhos
corruptos, salvo algumas raras exceções. Mas os sobreviventes exilados
voltaram, e o cenário era de muita alegria e novas possibilidades. Conheci os
livros do Sirkis, e fiquei igualmente encantada. Nunca vou esquecer a figura
imponente e linda daquele jovem louro, alto, elegante, desfilando em cima de um
caro aberto pela Avenida Rio Branco.
Foi a Ana Richard,
fundadora e dona da Escola Parque na época, que me apresentou o Alfredo. O
Posto 9 era frequentado por Minc, Caetano, Regina Casé, artistas e
intelectuais, todos na praia. Nesta praia, quando eu estava grávida de quase
nove meses, Caetano deu um beijo na minha barriga. Sem desmerecer o pai músico
de minha filha, esse beijo selou a atividade de cantora, que ela desempenha com
tanta propriedade.
Uma vez Alfredo veio
sentar-se comigo, trazendo sua cadeira de praia, seu jornal e suas raquetes. Eu
me senti a tal. Fiz sinal para um vendedor de latinhas de cervejas e pedi uma
para mim, perguntei se o Alfredo queria, mas ele tinha... dormido, para minha
total decepção.
Confundo as épocas, mas nas
festas do Gurilândia também pude conhecer o Minc, e a Ana me levou ao Parque Lage
uma reunião para organizar a fundação de um Partido Verde no Brasil, assinei
lista de presença, orgulhosa e privilegiada por estar ali naquele momento. Sempre
votei no Verde.
Havia esperanças para
todos.
Não sei se em 1986 ou
1989, houve uma passeata (como chamávamos as manifestações). Eu estava com
outras poetas um carro aberto, na concentração, falando em voz alta nossos
poemas, quando pediram que saíssemos pois o candidato ia precisar do carro.
Todas saíram, menos eu, que fiz cara de paisagem e fiquei ao lado dele, dos companheiros,
da mulher e da filha Maya, que cheguei a segurar no colo neste dia,
atravessando, orgulhosa, a longa Avenida Rui Branco ao lado de figura tão ilustre.
Eram tantas câmeras apontadas na direção dele e eu estava tão próxima, que
imaginei um dia encontrar uma foto ou um filme deste momento inesquecível.
Aí está. Achei um
pedacinho onde apareço, jovem, de cabelos longos e flor amarela no cabelo. São
apenas alguns segundos, dos quais me sinto muito honrada.
Tive uma juventude repleta
de esperanças. Mas durou pouco. Depois do movimento Diretas Já, e de muita
luta, finalmente o povo brasileiro ia votar novamente, após um longo período de
silêncio, censura, tortura e ditadura.
Fernando Collor de Mello
foi eleito democraticamente.
O Posto 9 deixou de ser o
ponto de encontro de artistas e intelectuais. E perdi as esperanças de novo.
A partida precoce de
Alfredo Sirkis é triste e dolorida, e fica mais triste ainda neste momento de total
desamparo em que estamos, quando precisamos tanto de homens guerreiros, lúcidos,
íntegros, inteligentes e coerentes como ele. Ficamos mais desamparados.
Obrigada, Sirkis, por ter
dedicado sua vida ao Brasil, mais ainda, ao Planeta. Vamos devorar seus livros,
e torcer para que sejam inspiração para os jovens de hoje. Siga em paz. Sua
missão foi cumprida.
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