Jornalista, mestra em Antropologia da Arte pela UFRJ. Sete livros publicados, entre poesia, contos e romances.
30/11/2014
A menina do pentelho azul
Amizade Dolorida
AMIZADE DOLORIDA
(Manual de Instruções)
Decifre ou devore:
se te oferecer uma carona, é porque não vai
te te levar pra casa.
Se você estiver disponível, sorria.
Se não estiver a fim,
diga que está sem sono
e dispense a transa, quer dizer, a carona.
Se vocês se
encontrarem num bar e transarem depois, que ótimo. Aproveite.
Na hora agá, pode
dizer o que quiser:
que é o máximo, uma delícia,
que estava morrendo de
saudades, etc.
Não se preocupe porque no famoso dia seguinte
será como se nada
tivesse acontecido.
Converse amenidades, não faça perguntas muito pessoais,
aproveite o momento e não espalhe.
Mas muita atenção: se você se pegar pensando em alguém de
véspera, e se teu coração porventura bater, vá pra longe.
Tire férias, converse
com o seu psicanalista,
mude de bar,
disfarce o máximo que você puder.
disfarce o máximo que você puder.
Um mero
gesto, um curto olhar de paixão e você põe tudo a perder:
e se a pessoa perceber?
e se a pessoa perceber?
Não vale sofrer:
está tudo bem, a vida é bela,
está tudo bem, a vida é bela,
as pessoas são
interessantes,
amanhã vai pintar o maior sol,
amanhã vai pintar o maior sol,
e você é livre para não amar
a hora que você quiser.
a hora que você quiser.
Você pode até ser uma pessoa livre:
ninguém vai te amar e
colar no teu pé.
Mas todo cuidado, ainda assim, é pouco:
se uma pessoa começar a
te ligar toda semana, se falar palavras de amor fora da cama, cuidado! Se ousar
pedir uma Fotografia tua, tomar café da manhã contigo e como quem não quer ir
ficando pro almoço...
Se disser a roupa que você estava usando
no dia em que se
conheceram,
afaste-se!
afaste-se!
Você conhece esse tipo:
cheio de amor pra dar,
vai trancar você a sete chaves,
vai trancar você a sete chaves,
querer trocar experiências,
saber do seu passado,
conhecer seus amigos
e entrar pra nossa tribo.
e entrar pra nossa tribo.
Você conhece o roteiro:
no próximo capítulo, vai querer dormir
agarradinho,
aposto que vai sonhar com você.
Vai achar você a pessoa
mais interessante do mundo
mais interessante do mundo
e isso é
perigosíssimo:
você não é a pessoa
mais interessante do mundo e,
mais interessante do mundo e,
um dia, um dos
dois
vai ter que pagar caro por isso.
vai ter que pagar caro por isso.
Então: antes que te decifrem, devore.
Todos vão morrer de inveja de você:
uma pessoa superfeliz,
que aproveita a vida ao máximo
e vive livre e intensamente.
Todos vão morrer de inveja de você:
uma pessoa superfeliz,
que aproveita a vida ao máximo
e vive livre e intensamente.
Que baratão.
Tá decifrado.
Pra despedir-se, diga apenas "valeu".
Açoite
AÇOITE
Amolecer meu coração de pedra
que me pesa
porque não ama.
Florir e florescer
meu coração de terra que me enterra
porque não ama.
Chover no deserto que me cerca,
merda!
Sou eu mesmo a faca que me corta
a arma que me mata
a corda que me enforca
Sou eu mesmo meu carrasco
meu demônio
meu inimigo número um
— que, sem piedade, — me executa.
Adultério
Adultério
Desce correndo as escadas,
pés de gato em silêncio.
Te encontra nos labirintos,
nos cantos, nos corredores.
Te cheira, te lambe, te morde,
e sobre correndo as escadas.
Desce correndo as escadas,
te encontra no esconderijo,
nas sombras, encruzilhadas.
Um olho te olha e te ama,
enquanto o outro vigia.
Te despe, te morde, te fode,
e sobe correndo as escadas.
Desce as escadas correndo,
te encontra nos labirintos,
nas sombras, nos corredores.
Um olho te olha e te ama,
enquanto o outro vigia.
E foi por tua causa
que fiquei estrábica,
e fiz esta merda desta poesia.
Separação
SEPARAÇÃO
Esta, agora é minha geladeira.
Não reconheço seus alimentos,
sua extrema limpeza,
seu brilho intacto.
Não reconheço a cor
das duas garrafas d'água com tampa : azul.
Esta, agora é minha cama.
Não reconheço sua maciez,
seu tamanho, seu celibato.
Este, agora é meu armário.
Olha lá, minhas roupas.
Reconheço minhas roupas.
Esta agora é minha sala.
Esta agora é minha casa.
Estes são meus objetos.
Esta sou eu, reencontro.
Reconheço.
Recomeço.
A casa
Era a casa de esquina,
era a casa da
infância.
Lá, onde a gente tinha pai.
Tinha bonde, criação de passarinho,
e
árvore.
Lá,
onde ficaram pregados como um cartaz,
os meus dez anos.
Bobagem lembrar.
25/11/2014
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